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Um céu de estrelas: diálogo entre temática e expressão audiovisual



Olga Futemma e Helena Zelic conversaram com estudantes de jornalismo, cinema, multimeios e audiovisual sobre “Um céu de estrelas”, obra de Tata Amaral produzida em 1996 e que, diante da temática, segue atual e preocupante.


Durante o terceiro encontro da edição 2022 do módulo Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo, os estudantes participaram de palestra expositiva, conferência de imprensa e bate-papo sobre o filme ‘Um Céu de Estrelas', de Tata Amaral.


Lançado em 1996, aborda uma temática ainda não superada na sociedade brasileira: a violência doméstica contra a mulher em suas diferentes facetas - violência física, patrimonial e psicológica.


E para debater a obra, estiveram presentes Olga Futemma, cineasta, pesquisadora e ex-coordenadora geral da Cinemateca Brasileira, e Helena Zelic, integrante da Marcha Mundial das Mulheres e da Sempreviva Organização Feminista - SOF.


Olga contextualizou a obra no tempo, compartilhando impressões já vistas à época e recuperando outras com um olhar renovado. “Foi um filme que marcou uma geração toda. Poucas vezes o cinema brasileiro apresentou um exercício de radicalidade tamanha. Não é fácil tomar partido. E ela tomou. No filme clássico você tem almofadas para ir elevando a história. No caso da Tata Amaral, não tem almofada alguma. Ou dá certo, no sentido que você consegue falar com o público, ou não dá”, pontua.


De acordo com a cineasta e pesquisadora, a época em que a obra foi realizada era um ‘deserto de criação’. “Tata tomou partido com esta obra: ‘eu preciso fazer um filme que seja inteiro dentro deste orçamento’. E tomar partido neste sentido exige coragem”, afirma Olga completando que: “Em toda produção artística, o primeiro momento é de emoção, quando se pensa e se imagina. É uma camada de sentimentos. E a partir de um dado momento é preciso ser celebrado, senão você não levanta o filme. Quais foram os recursos que ela conseguiu juntar?”


Segundo a pesquisadora, Tata usou a tecnologia e a técnica a seu favor, com utilização de câmera na mão em 70% do filme. “É um bailado, um contorcionismo dentro do set de filmagem super pequeno”. Outro caminho que contribuiu foi no que tange a dramaturgia, “tudo o que você lê é pelo olhar da Dalva, você enxerga o mundo através de Dalva”. Completa dizendo que “podemos chamar de economia de produção. Mas por que tudo isso? Para representar um personagem trágico”.


“Os personagens trágicos são levados a uma situação limite, irreversível. O personagem trágico não tem plano, não consegue planejar. O esmagamento é enorme. E, ao mesmo tempo, eles têm um vigor, fulgor, a pulsão pela vida, como nas cenas de sexo e desejo”, finaliza Olga enfatizando que em dado momento do filme não resta mais nada, a não ser a pulsão de vida.


A cada hora, 26 mulheres sofrem agressão física no país


Corroborando com a temática da obra audiovisual e contextualizando com os dados atuais, apesar dos avanços, inclusive no que diz respeito às políticas de igualdade de gênero, a sociedade brasileira ainda se tem mostrado bastante sexista, registrando números alarmantes de violência doméstica e familiar contra mulher, o que demonstra que ainda é preciso evoluir muito nesse aspecto.


De acordo com o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência doméstica é progressiva, ou seja, tende a começar com agressões verbais, humilhações e constrangimentos, podendo evoluir para agressões físicas e até para o seu ápice, que é o feminicídio.


Ainda, de acordo com o anuário, houve uma média de 632 denúncias de casos de agressão física contra a mulher, por dia, em 2021.


Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que abrangem atos de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, indicam que no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres.


Para a pesquisadora e militante feminista, Helena Zelic, a violência é estrutural e sistêmica: “É uma engrenagem do mundo em que vivemos. Não é só punição e não é só das mulheres. Precisamos refletir e lidar de maneira sistêmica”, completa afirmando o viés sobre a violência de classe, que se entranha na mesma estrutura.


Helena dialoga com a obra audiovisual reforçando que feminismo não é só um tema, é uma lente para ver o mundo. “Olhando por estas lentes feministas, com olhares claustrofóbicos, com as escolhas dos planos desta obra, conseguimos pensar também em nossos espaços público e privado, o que isso significa nas nossas vidas e nos nossos trabalhos?”


“O que o espaço da casa significa para o patriarcado? É um espaço que sustenta, é um espaço de manutenção da vida, é um espaço de confinamento das mulheres, elas são as únicas responsáveis por esta sustentação. E neste confinamento existe uma marca do capitalismo. E dele não dá pra dissociar o racismo, o machismo e outros marcados. Tudo isso pertence à mesma estrutura”, considera Helena.


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